Foi em 1992 que a jovem Cristiane de Jesus Oliveira leu em uma revista o testemunho de uma jovem angolana chamada Aninhas. Cris ficou tão impactada que passou a orar para que Deus lhe permitisse fazer algo por aquele povo que vivia uma guerra civil. Apesar das dificuldades de comunicação da época, as duas passaram a se corresponder por carta.

Um ano depois, em 1993, Cristiane ouviu de uma missionária durante um culto o seguinte apelo: “Quem gostaria de ser um robô de Deus?!”. Por mais estranha que a frase possa parecer, Cris decidiu que a partir dali entregaria sua vida totalmente nas mãos do Senhor para ser usada da maneira que Ele quisesse. E assim tem sido.

Em 1994, ela se matriculou no curso de Teologia do Seminário Batista Teológico do Sul do Brasil. E Angola parecia não sair do seu caminho. Em sua turma ela conheceu o jovem angolano Elídio e lhe prometeu: “Ainda vou para o seu país!”.

Mais tarde, em 1995, Cristiane e outros colegas de curso decidiram participar de um projeto em Angola. A motivação veio após assistirem a um testemunho da missionária e enfermeira Analzira Nascimento, que na época atuava no país como missionária dos batistas brasileiros. Aqueles jovens seminaristas não tinham recursos financeiros, mas acreditavam que aquele desejo se concretizaria pois era vontade de Deus. O Senhor abençoou e, em janeiro de 1996, eles foram para Angola como voluntários.

Lá puderam realizar muitas ações. Levaram bíblias e outras literaturas cristãs como doações. Foram momentos muito edificantes e que confirmaram o chamado de Cristiane.

Por que Angola?

Na despedida, uma surpresa. Durante um culto preparado por pastores angolanos, Cristiane falou que estava ali porque em 1992 lera uma carta de uma jovem chamada Aninhas. E não é que a moça estava no culto?! As duas jovens se abraçaram e Cris disse que estava ali com aquele grupo como resposta de Deus às orações daquela moça. “Deus ouve orações”, declarou.

Na volta ao Brasil, a seminarista continuou sua formação e logo participou de um novo projeto missionário à África. Em 1997, ela foi com um grupo para a África do Sul, onde ficaram durante um mês. Cris voltou com o coração ainda mais aquecido, cada vez mais certa do seu chamado.

Foi em 1997 que Cristiane concluiu o curso de Teologia. No ano seguinte, se apresentou à Missões Mundiais, mas entendeu que precisava se preparar melhor e pausou o seu processo. Ela passou a fazer também um curso Técnico em Enfermagem pela Cruz Vermelha. Depois também fez especialização em missões na Paraíba e estágio final do curso no Paraguai, e recebeu um convite para participar de um projeto missionário da Juventude Batista Brasileira na Namíbia, um país próximo a Angola, num projeto realizado por profissionais da saúde junto a um campo de refugiados. Como não obteve o visto necessário para entrada no país, Cristiane ficou 3 meses em Angola, onde pôde atuar ao lado de Analzira e outros missionários.

Em 2001, Cristiane fez o treinamento preparatório de Missões Mundiais ao campo. E neste ano de 2021 ela comemora 20 anos servindo aos batistas brasileiros com uma despedida dos campos missionários, mas certa de continuar servindo ao Senhor de Missões com a mesma dedicação do início de sua trajetória.

Finalmente Angola

Foi em janeiro de 2002 que Cristiane foi enviada como missionária efetiva dos batistas brasileiros para Angola. Começou a trabalhar no Seminário Batista de Huambo, organizado por Analzira que estava de saída.

Também passou a trabalhar com treinamento de líderes nas aldeias e com os jovens da juventude batista provincial. Foram 5 anos no país.

A primeira pessoa que se converteu ouvindo sua pregação se chama Cristiano. Anos depois ele lhe contou isso. Cristiane diz que o angolano está firme até hoje. É um servo de Deus.

A guerra civil acabou no dia 4 de abril de 2002, 3 meses após sua chegada. O líder da oposição havia sido morto 30 anos após o início dos conflitos.

“Estava chegando num novo tempo para aquele país. Eu tive a oportunidade de ir aos campos de aquartelamento, onde havia 4 mil famílias. Uma grande oportunidade que tive de compartilhar do Evangelho da paz”, lembra a missionária.

Burkina Faso

Após 5 anos em Angola, Cristiane foi para um país chamado Burkina Faso, no Oeste da África, de língua francesa e população majoritariamente muçulmana. Uma realidade completamente diferente. Em Angola o idioma oficial é o português de Portugal. Na aldeia se falava mais o umbundo, pois embora a missionária tenha estudado um pouco o umbundo, ela usava mais o Português pois tinha alunos de várias partes e de grupos étnicos diferentes. Aprender o Francês foi um novo desafio, que aconteceu em uma preparação no Senegal, país também de maioria muçulmana.

“Eu até então não conhecia aquela realidade. Aprendi muito. Fiz um curso de Francês em um mês, na universidade de Dacar. Passei 2 meses e meio no Senegal para adaptação e aprendizado do idioma”, contou. “Quando a gente pensa em campo missionário duas coisas são muito importantes. Eu sempre falo que são os 2Ps: paciência e perseverança”, alertou a missionária.

Cristiane perseverava com paciência e uma certeza: “o mesmo Deus que te chamou, é o mesmo que continuará te guiando.”.

Foram 7 anos em Burkina. Trabalhou junto ao povo Marka. Por lá, ajudou a construir uma igreja em uma aldeia, atuou na formação de líderes e também de projetos de desenvolvimento comunitário.

Se eu tivesse mil vidas, todas eu daria ao Senhor para servir como missionária

Mianmar

Após 12 anos no continente africano, Cristiane foi enviada por Missões Mundiais para a Ásia, uma outra realidade que ela estava disposta a enfrentar como “robô de Deus”. Primeiro, ficou 8 meses no Vietnã estudando inglês.

“O problema é que nas ruas as pessoas falavam vietnamita (risos). Lá eles são budistas. Consegui me adaptar sempre com muita paciência e perseverança. A dica é ter um coração aprendiz, ser humilde e aprender. Eu sempre procurei conhecer tudo, a cultura, respeitar... pra conseguir me adaptar da melhor forma”, revela Cristiane.

Após o período de adaptação, Cristiane se mudou para Mianmar, a antiga Birmânia, um país localizado entre a Índia e a China, com mais de 135 grupos étnicos, que tem no Budismo a sua religião.

“Naquela altura já havia cerca de 5 conflitos armados em andamento no país, que esteve fechado por quase 40 anos devido à ditadura militar. Reabriu em 2015 e em 2017 eu consegui entrar lá com um visto profissional. Foi um período especial”, revela a missionária.

Em Mianmar, Cristiane trabalhou junto a meninas nos vilarejos, realizou projetos de corte e costura com os irmãos das montanhas, apoiou orfanatos. Sempre esteve com os grupos minoritários.

Foram quase 3 anos naquela região até retornar ao Brasil.

“Cada mudança demanda muito estresse, não é uma coisa fácil. Mas eu me sentia muito direcionada por Deus a cada novo período. Havia uma alegria muito grande no meu coração a cada campo missionário. Em cada lugar que eu chegava eu entendia: é para eu estar aqui, esse é o lugar onde Deus me quer”, diz.

O Senhor abria as portas e apresentava a pessoas que se tornaram parte de sua família cristã. De Angola a Mianmar, ela conheceu pessoas que se tornaram suas amigas e com as quais se comunica até hoje.

Gratidão

Foi em dezembro 2019 que a missionária Cris entendeu que era o tempo de voltar para o Brasil.

“Foi um privilégio e uma grande alegria receber o apoio das igrejas batistas brasileiras durante todo esse tempo. Louvo a Deus por cada uma que se envolveu no ministério que Deus me confiou nestes campos missionários. Fui muito abençoada por todos. Louvo ao Senhor por cada oferta e cada oração que fizeram a diferença na minha vida e na vida de pessoas que tiveram a oportunidade de ouvir do Evangelho em todos esses campos por onde eu passei”, disse emocionada ao lembrar.

Alegrias e desafios

Um dos grandes momentos de alegria de Cris foi em Burkina, quando teve o privilégio de batizar o filho de um pastor de uma igreja local.

“Para mim foi emocionante porque eu estava discipulando aquele jovem juntamente com outros. E o pai dele fez questão que eu realizasse o batismo. Foi uma grande emoção, porque na cultura africana a mulher não costuma ter essa posição de destaque. Aquilo representou um grande respeito por mim”, recorda.

Os desafios também não foram poucos. Um deles foi o aprendizado de novos idiomas e pouco tempo. Mas as malárias foram desafios maiores. Angola e Burkina são países com altos índices da doença.

“Eu tive malária 20 vezes. Em 3 oportunidades eu fiquei muito mal e precisei ir para o soro. Graças a Deus me recuperei e segui trabalhando”, revela a missionária.

O início em Angola também não foi dos mais fáceis. Durante a guerra mais de 10 milhões de minas terrestres foram espalhadas no país. E mesmo com o fim da guerra, ainda havia muitas minas.

“Eu circulava de carro pelas estradas para ir para as aldeias. E certo dia veio a notícia que um carro passou por uma mina e explodiu. Isso aconteceu uma semana após eu ter passado pelo mesmo local”, lembra.

Lidar com religiões diferentes como o budismo e o islamismo também foram outros desafios.

Família

Cristiane é solteira e saiu da casa dos pais aos 19 anos para morar com a tia. Começou a trabalhar e se tornou independente um pouco cedo. Ela acredita que isso a ajudou a lidar com a distância da família.

“A comunicação era por carta ou telefonema, que era caríssimo. Hoje a comunicação é mais fácil. Mas Deus vai dando no campo pessoas que são queridas e suprem a parte emocional, tão importante para nos sentirmos amados e queridos”, reconhece.

Um novo ministério
Na volta ao Brasil, em dezembro de 2019, Cristiane começou a entender que este era o momento de ficar. Em 2020 veio a pandemia e a obrigou a ter um descanso maior e de reflexão. Ao fim do ano, orou por oportunidades de trabalho. Atualmente, Cris tem atuado como professora de Ensino Religioso em três colégios do Rio de Janeiro.

“Tem sido um desafio trabalhar com adolescentes e jovens. Sou professora do sexto ano até o segundo ano do Ensino Médio. É um privilégio poder contribuir para o crescimento espiritual deles. As portas que o Senhor tem aberto são bem especiais. Voltei a estudar, comecei a faculdade de Pedagogia pela Uerj/Cederj. Entendo que o Senhor tem me dado um novo ministério aqui no Brasil com os estudantes”, revela.

Cristiane reconhece que vale muito a pena os 18 anos vividos nos campos. Ela tem o coração grato a todos os líderes de Missões Mundiais, em especial ao Pr. João Marcos Barreto Soares, Diretor Executivo, e Pr. Alexandre Peixoto, Gerente de Missões, aos coordenadores e colegas de campo, bem como a cada colaborador da sede e igrejas que a sustentaram com suas orações e ofertas.

“Eu continuo sendo missionária, cumprindo os propósitos de Deus. Se eu tivesse mil vidas, todas eu daria ao Senhor para servir como missionária”, encerra. 

 

por Marcia Pinheiro