O suicídio, uma tragédia silenciosa, é um tema cada vez mais discutido em âmbito global. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 700 mil pessoas tiram suas próprias vidas a cada ano – o equivalente a uma morte a cada 40 segundos. Esse fenômeno é uma questão urgente de saúde pública, que afeta inúmeras famílias e comunidades. No Brasil, o número de suicídios atinge 14 mil casos anuais, o que equivale a 35 mortes por dia, conforme relatado pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Em resposta, diversas campanhas têm surgido para trazer conscientização e prevenção, como a campanha global da OPAS intitulada “Mudando a Narrativa sobre o Suicídio”, e a brasileira “Se Precisar, Peça Ajuda”, promovida pela Associação Brasileira de Psiquiatria em parceria com o Conselho Federal de Medicina.

O Contexto Missionário no Uruguai (Daniel Duarte e Clélia Kerne de Oliveira)

Como missionários no Uruguai, Daniel Duarte de Oliveira e Clélia Kerne de Oliveira têm se deparado de perto com essa dolorosa realidade. “O Uruguai é um dos países com maior índice de suicídio na América Latina, e Deus nos chamou para atuar nessa área. Começamos em 2013 atendendo voluntariamente a linha de crise. Porém, diante da grande necessidade que identificamos, formamos o GASS_Uy (Grupo de Apoio aos Sobreviventes de Suicídio no Uruguai), com um trabalho que também inclui a pós-venção, ou seja, o cuidado com as famílias que enfrentam o luto após um suicídio.”

Os missionários contam histórias emocionantes que vivenciaram ao longo desses anos. Uma delas foi a de um jovem que, em meio a uma crise de desespero, ligou para a linha de apoio enquanto estava no ônibus, a caminho de tirar sua própria vida. “Ele não suportava mais a dor da alma, mas, pela graça de Deus, conseguimos impedi-lo de concretizar o plano. Conversamos com ele, oramos juntos e, alguns dias depois, ele passou a frequentar nosso grupo de apoio. Hoje, ele está bem e firme na fé, uma verdadeira vitória do amor de Deus.”

A experiência do casal com o GASS_Uy está repleta de momentos como esse. Eles lembram de uma jovem que ligou em plena crise de pânico, desesperada, mas que, após ser acolhida e ouvida, encontrou forças para continuar. “Conversamos sobre a vida abundante que Jesus oferece e ela orou entregando seu coração ao Senhor. Hoje, ela é uma fonte de apoio para outros participantes do grupo”, contam com emoção. 

No entanto, apesar das histórias de superação, o casal reconhece os desafios. “Ficamos profundamente impactados pela negatividade e falta de esperança que muitos dos participantes demonstram, mesmo entre os cristãos. Vemos, inclusive, muitos jovens que frequentam igrejas lutando contra pensamentos de morte e autoagressão. Esse fenômeno não se limita ao Uruguai; temos recebido contatos de brasileiros que enfrentam situações semelhantes. Que Deus nos dê sabedoria e força para continuar neste ministério desafiador.”

A campanha global da OMS/OPS, que tem como lema “Mudando a Narrativa”, ressalta a necessidade de transformar a forma como falamos sobre o suicídio, e Daniel e Clélia acreditam que chegou o momento de também trazer essa conversa para dentro das congregações cristãs. “Precisamos começar a conversar sobre esse tema sensível em nossas congregações. O suicídio não pode ser um tabu. Pelo contrário, falar sobre ele é uma maneira de salvar vidas.”

A Visão Profunda da Saúde Mental (Psicóloga Mônica Darlen da Cruz)

A psicóloga Mônica Darlen da Cruz, especialista em saúde mental, corrobora com essa visão, destacando a importância da saúde mental e do acolhimento. “O suicídio é um ato deliberado e intencional de causar a própria morte, e suas causas são multifatoriais e inter-relacionadas”, explica. Ela destaca que, além do ato em si, é importante considerar o comportamento suicida, que envolve pensamentos de autodestruição, ameaças, gestos e tentativas de tirar a própria vida. 

O suicídio é resultado de fatores multifatoriais e inter-relacionados, que envolvem aspectos individuais, sociais e ambientais. 

“Existem os FATORES INDIVIDUAIS, como a predisposição genética, história familiar de suicídio, traços de personalidade, déficits cognitivos, psicopatologias como depressão e transtornos de ansiedade, uso de substâncias e a desesperança profunda. Já os FATORES SOCIAIS incluem o isolamento social, mudanças bruscas e crises financeiras e sociais. E não podemos deixar de lado os FATORES AMBIENTAIS, como a influência negativa das mídias, o fácil acesso aos meios letais e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde mental.”, afirma, citando estudos de Turecki e Brenti (2016).

Para a psicóloga, um dos maiores desafios na prevenção do suicídio é combater o estigma associado ao tema. Ela alerta que muitas vezes, o sofrimento alheio é invisível porque criamos preconceitos e julgamentos. A pessoa que está pensando em suicídio pode sentir vergonha, medo ou até se achar indigna da presença de Deus. Isso as impede de buscar ajuda, inclusive a ajuda espiritual. 

Ela defende que os cristãos têm um papel vital nesse acolhimento, oferecendo sustentação emocional e espiritual para aqueles que sofrem. “É preciso, como cristãos, agir de forma empática e misericordiosa, oferecendo suporte emocional e espiritual. Além de incentivar a busca por ajuda profissional especializada. Precisamos ser uma ponte para que as pessoas possam encontrar alívio tanto nos profissionais de saúde quanto em Jesus.”

Unindo a Conversa: O Papel da Igreja e da Sociedade

Enquanto os missionários Daniel e Clélia enfrentam o desafio direto de salvar vidas no Uruguai, oferecendo esperança e apoio a quem pensa em suicídio, Mônica traz à tona a necessidade de compreensão e ação em várias esferas – individual, social e ambiental. Ambos os lados concordam em um ponto central: a importância de se falar abertamente sobre o suicídio. Seja dentro das igrejas, nas famílias, ou na sociedade em geral, mudar a narrativa em torno desse tema pode ser a chave para salvar muitas vidas.

“O amor de Cristo precisa ser o norte, tanto no acolhimento espiritual quanto na busca por ajuda profissional”, afirmam os missionários e a psicóloga Mônica reforça a importância de “Mudar a Narrativa” em torno do suicídio, como propõe a campanha da OPAS. “Precisamos falar sobre o suicídio sem estigmatizar. E mais do que isso, precisamos levar o amor de Cristo às pessoas que sofrem, mostrando que, em meio à dor, existe esperança e que ninguém precisa enfrentar esses momentos sozinho.”

O chamado é claro: é hora de abrir espaço para o diálogo, combater o estigma e abraçar aqueles que lutam silenciosamente contra a dor. Que Deus, em Sua infinita misericórdia, nos conceda sabedoria para continuar salvando vidas e oferecendo esperança aos corações quebrantados, cumprindo a grande comissão.

“O suicídio não deve ser visto como um ato de coragem, egoísmo ou fraqueza. É um ato de sofrimento extremo, uma consequência de uma mente adoecida. Por isso, é essencial que criemos uma cultura de acolhimento, onde as pessoas possam expor suas dores sem medo de julgamento.” (Psicóloga Mônica Darlen)

Autores:
Clélia Kerne de Oliveira
(Missionária de Missões Mundiais no Uruguai), Daniel Duarte de Oliveira (Missionário de Missões Mundiais no Uruguai) e Mônica Darlen da Cruz (Psicóloga e Membro da Igreja Batista Itacuruçá/RJ)