Recentemente lembrei da minha chegada a um dos campos que trabalhei na África, quando, acelerada, queria levar mudanças rápidas a um lugar em que eu sequer sabia o que era necessário mudar. Mas depois de algum tempo percebi que meu corpo estava mais cansado que o normal, que a água que bebia nunca era suficiente e que, ao meu redor, todos caminhavam devagar. Hoje a paisagem é muito diferente; moro numa cidade em que as atividades começam às 10h. As pessoas não andam tão aceleradas, nem tão devagar; o ritmo é outro. Uma vez mais precisei parar e observar, escutar sem julgar, entender pouco a pouco qual é o meu lugar. Seja no meio do deserto ou no meio de uma metrópole, a necessidade é a mesma: o sopro de vida de Deus. Ele não muda de missão ou objetivo, quer a reconciliação da humanidade com Ele. Digo, hoje, que achei meu lugar nesta terra, para este momento da vida!

O drama de vítimas da violência doméstica continua a me incomodar. Recentemente conversava com uma mulher que vou chamar aqui de Andrea (por segurança, sua identidade real não pode ser revelada). Suas histórias são tristes e cheias de violência. Aquele que deveria ser seu parceiro passou a ser quem abusava dela sexual e psicologicamente todos os dias, durante anos.

Marquei um café com ela, que veio com seu filho de 11 anos, menino esperto demais, mas visivelmente ferido pela rejeição do pai e por vivenciar a violência que sua mãe sofreu. Ela contava detalhes sórdidos dos maus-tratos, e o menino escutava como quem já estivesse cansado de escutar o mesmo. Cada uma das agressões que a mãe sofreu, ele sabia em detalhes. Sem nenhuma maldade, ela o expôs a feridas que, atualmente, o fazem odiar os homens e seu olhar é triste e ferido.

Conheci outras crianças com as mesmas feridas. Milena, de 9 anos, disse não suportar mais os gritos dos pais. Eles moram em casas diferentes, mas quando se juntam o fazem para brigar. Ela é uma menina violenta e manipuladora, apesar da idade. Não porque ela seja ruim, mas é a forma de suportar tanta dor.

Outra criança, o João, me disse que sua mãe quer que se lembre de tudo de ruim que o pai fez contra ela, mas ele não quer porque o faz se sentir muito mal. Ele é calado, sempre de cabeça baixa, não consegue olhar nos olhos, não tem muitos amigos e só vive vendo filmes de terror.

Mateo, de 8 anos, tem certeza que a bebida é ruim mesmo, porque quando os homens bebem maltratam as esposas e seus filhos, como ele. Ele chora muito, é sensível e procura chamar a atenção o tempo todo; se sente rejeitado.

Adultos disfuncionais não nascem de um dia para outro, são simplesmente crianças que sofreram muito.

Uma adolescente que aceita o convite de um desconhecido é alguém que quer fugir da sua realidade, e que pode encontrar “lá fora” alguma coisa melhor. Um adulto que consome pornografia e trata o seu parceiro (a) como objeto, é alguém que foi exposto a algum tipo de violência na infância. Crianças criadas em um ambiente seguro e saudável darão, em quase a sua totalidade, homens e mulheres saudáveis espiritual, mental, psíquica e sexualmente. Queremos um mundo melhor, mais seguro e digno de viver? Então, cuidemos das crianças como o bem mais precioso.

Ore por minha vida para que Deus me dê uma equipe de trabalho e por essas e outras crianças com que eu possa vir a ter contato. Que o Senhor, em sua riqueza e glória, supra cada uma de suas necessidades.

Luiza Rossi
missionária na Europa Ocidental

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